25.8.05

Preconceito social travestido de debate cultural

Segue (bem) abaixo uma reportagem que recebi por e-mail, na lista do Fórum dos Músicos. Foi publicada pelo jornal A Hora do Povo e escrita pelo reporter Ricardo Fernandes.
O texto traz estatísticas que demonstram muito bem o momento que a indústria fonográfica do país vive. As grandes gravadoras multinacionais, chamadas de majors estão produzindo cada vez menos títulos novos em CD. No entanto continuam dominando a mídia eletrônica brasileira, principal vitrine de venda da indústria da música. Tudo isto a custa de jabá, pacotes publicitários ou qualquer outra nome que se dê às formas de se pagar dinheiro para tocar música numa estação de rádio ou TV. Sempre é bom lembrar que o uso do espectro eletromagnético é da União (da nação brasileira) e que uma concessão é expedida pelo governo federal para que empresas a explorem comercialmente.

A matéria contextualiza bem os diversos ângulos da questão mostrando o absurdo, onde centenas de lançaentos não conseguem exposição pública porque as majors compram 90% do horário das rádios utilizando subsídios concedidos pela lei. Dinheiro dos impostos.

Tenho apenas uma séria crítica ao texto. Uma questão que tem passado camuflada e abafada nos meios intelectuais e da indústria toda vez que se discute o espaço da produção independente: o preconceito e a xenofobia dentro da classe musical.Toda vez que se reclama espaço para a produção independente na mídia é utilizada a argumentação de que música de QUALIDADE (o destaque é meu) enquanto criações de gosto duvidoso são promovidas pelo dinheiro das grandes corporações.

Na minha opinião isto demonstra que a classe musical não está unida na sua luta contra o monopólio das majors. Nao é de hoje que digo que quando se paga jabá para a música do Caetano Veloso tocar na novela ninguem no andar de cima de nossa sociedade (como diria Elio Gaspari) reclama: músicos, intelectuais, pessoas de gosto educado todas ficam satisfeitas quando a musica genial do grande compositor baiano flui pelos canais das majors para dentro de nossos lares pelas TVs e rádios FM.

O problema é quando pagode, música sertaneja ou de outras MINORIAS (outro destaque meu) flui pelo largo canal da indústria multinacional da mídia. Ressaltei a palavra minorias porque o público que aprecia o pagode e a música sertaneja é na verdade a maioria da população brasileira, embora a classe trabalhadora careça de poder de expressão político-social. A meu ver o que se estabelece aqui a meu ver é uma disputa na arena social pela hegemonia do discurso musical e tambem uma briga pelo espaço comercial (mesmo que disfarçada de discussão estética). Mas uma vez a pequena camada letrada, polida e ilustrada da população brasileira condena a expressão das camadas economica e socialmente inferiorizadas. Pergunta: inferiorizadas por quem? Pelas camadas dirigentes. Fazendo uma alusão ao Rio de Janeiro poderíamos dizer que ainda a turma da zona sul continua querendo "que a população da zona norte fique pra lá do tunel, pra não incomodar o domingo de praia". Da mesma forma que os senhores de engenho acusavam os trabalhadores de preguiçosos para justificar o muito pouco que lhes pagavam, os guardiães do bom gosto musical classificam a música do andar de baixo como sendo de mau gosto, para justificar seu banimento da mídia.

Que fique bem claro: adoro Caetano Veloso. Aliás ele em diversos momentos sinaliza para este preconceito e investe lucidamente contra ele, eterno tropicalista que é, ao gravar canções de compositores populares como Peninha ou trabalhando na trilha sonora do filme Dois Filhos de Francisco, que retrata a vida dos cantores sertanejos Zezé Di Camargo e Luciano, dois alvos constantes das patrulhas intelectuais dos letrados brasileiros.

Quando observamos músicos e jornalistas brasileiros denunciando empresas multinacionais de promover outros músicos, brasileiros também, acusando estes de baixa qualidade artística ou musical, entramos num lamaçal ideológico-antropológico-musical de difícil saída. Percebe-se críticas musicais encobrindo o preconceito social. Sem um maior nível de tolerância e de compreensão mútua da complexidade e variedade da musicalidade brasileira, sem abandonar o preconceito contra o processo de industrialização da cultura, será difícil unificar a classe musical no processo de desenvolvimento da produção musical independente em níveis saudáveis e benéficos para toda a população do país. Eu disse toda a populaçao, não apenas o andar de cima. Não se trata de discutir a música que se gosta de ouvir, mas de reconhecer que a música de todos os criadores brasileiros, independente de classe social ou forma estética, tem direito de ser veiculada com igualdade na mídia nacional. Sem excessos, nem para um lado nem para outro. Não desejo nem a ditadura do dinheiro da grande indústria nem o autoritarismo do bom gosto do stablishment intelectual, da inteligentzia. Ninguem neste país precisa que outros decidam a música que se deve ouvir. Nem os departamentos de marketing das majors nem os intelectuais rodando em mesa de bar (yeah yeah yeah…).

Bom. Leiam o texto e opinem. Os posts são abertos a todos neste blog. O debate é livre, franco e saudável.

Militão

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JORNAL A HORA DO POVO

ESCRITO POR: RICARDO FERNANDES

 
Multis produzem só 6% da música gravada no Brasil 

“Majors” transformaram-se em importadoras de discos produzidos pelas suas matrizes, usando o disfarce do licenciamento para abocanharem a compensação do ICMS, que usam para pagar jabá

Com uma produção imensamente maior e de melhor qualidade, as gravadoras nacionais independentes continuam a ser as principais responsáveis pela produção da boa música brasileira, enquanto as gravadoras multinacionais (Sony/BMG, Emi, Warner e Universal), com ínfimos 6,23% dos lançamentos de música produzida no Brasil, mantêm o monopólio dos meios de comunicação e divulgação com a famigerada prática do “jabá” pago às rádios e redes de televisão. 

QUALIDADE 

De janeiro até o início deste mês de agosto, apenas 100 das mais de 200 gravadoras nacionais, lançaram 361 discos de música brasileira em todo o país. Entre alguns desses lançamentos estão “Bem que Mereci”, de Elton Medeiros (Acari), “Timoneiro”, de Hermínio Belo de Carvalho (Biscoito Fino), “Viola Violão”, de Paulinho Tapajós e Marcelo Lessa (Dabliú), “Ouvido Uni-vos”, de Luiz Tatit (Dabliú), “Violão e Voz”, de Moacir Luz (Deck), “Vaidade”, de Djavan (Luanda), “Nos Horizontes do Mundo”, de Leila Pinheiro (Biscoito Fino), “Antologia da Canção Brasileira – Vol. 1”, de Léa Freire e Bocato (Maritaca), “A Saga de Juca Tito – Cantata Popular Nordestina”, do Quinteto Violado (CPC-UMES), entre muitos outros. Ainda estão nas listas de lançamentos feitos estes anos pelas independentes nomes como: Vinícius Dorin, Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo (OSESP), Mauro Senise, Chico Pinheiro, Mané Silveira, Caíto Marcondes, Thiago Espírito Santo, André Mehmari, Ná Ozzeti, Heloísa Fernandes, o grupo Choro Elétrico, Celine Imbert, Hamilton de Holanda, só para citar alguns dos artistas que compõem o elenco das independentes. 

“MAJORS” 

Por outro lado, as “majors” lançaram meros 24 títulos de artistas nacionais no mesmo período: 6 da Universal, 3 da Warner, 11 da EMI e 4 da Sony/BMG. E, mesmo assim, de “artistas” do quilate de B5, Mulekes, Kelly Key, Kid Abelha, Raça Negra, Rapazzola, Alex e Conrado, Frank Aguiar, Exaltasamba, Nalanda, Cheiro de Amor, Edson e Hudson, Danny Carlos, entre outros “gênios”.

Para não falar na diferença de qualidade, ficando restritos à quantidade de discos oferecidos nestes sete meses, a Biscoito Fino apresentou 10 novos títulos, a CPC-UMES colocou no mercado 6, a Dabliú produziu 5 e a Maritaca lançou 7, só para ficar em poucos exemplos. Apenas 4 gravadoras nacionais citadas acima lançaram 28 CDs de música brasileira, contra os 24 do cartel.

Com exceção dos lançamentos de “A Vera”, de Zeca Pagodinho, “Brasilatinidades”, de Martinho da Vila, e “Baião de Dois”, de Dominguinhos e Elba Ramalho, fica claro que, quanto à vitalidade cultural e musical do Brasil, a participação das multis é quase nula. 

JABÁ 

Não satisfeitas em promover e produzir primordialmente o pior que existe em nossa musica, as “majors” também impedem que o público tenha acesso à maior parcela do que de melhor se produz em termos de música brasileira. Como? Através do jabá pago às rádios e redes de televisão que, exaustivamente, só executam e divulgam os artistas delas, que se caracterizam, principalmente, por serem enlatados e grosseiras imitações do pior da música estrangeira ou “fast-music”, fórmulas “musicais” inspiradas nos truques da produção publicitária.

Hoje, como já denunciamos aqui na Hora do Povo, está nas mãos desse cartel 90% do espaço dedicado à música nas rádios e televisão, porcentagem que se repete em relação à venda de discos. Com seus 24 lançamentos, as multis monopolizam a divulgação, enquanto a imensa e rica produção independente nacional fica com apenas 5% da execução nos meios de comunicação e, conseqüentemente, das vendas – os outros 5% pertencem à Som Livre, da Globo, que conta com poder econômico e fácil exposição na mídia, mas que esse ano produziu apenas coletâneas das suas novelas. 

CRISE 

O resultado dessa política monopolista é a crise que assola nosso mercado fonográfico e que fez o Brasil cair de 6º para 13º lugar no ranking mundial de vendas. Nesse sentido, de acordo com dados publicados no anuário “Mercado Brasileiro de Música”, publicado pela ABPD (Associação Brasileira de Produtores Discográficos), em 1997 foram vendidas 107 milhões de unidades contra 56 milhões em 2003, o que representa uma retração de 47,66 %. 

ICMS 

Mas, por que o cartel insistiria, ano após ano, em pagar suborno para rádios e TVs tocarem só as suas “músicas de trabalho”, só os seus “artistas”, se ano após ano, suborno em cima de suborno, as vendas caem vertiginosamente? É que a dinheirama gasta nessa corrupção deslavada não é deles, é dinheiro público, vem da isenção de ICMS. Essa isenção destinava-se, originalmente, ao pagamento de despesas de produção. Diversas deformações e espertezas jurídicas travestiram o “jabá” em suposto custo de produção. Segundo dados fornecidos, em 2003, a Pedro Alexandre Sanches, em entrevista à Folha de S. Paulo, pelo atual comissário do “Ano do Brasil na França” e por mais de 40 anos executivo da indústria fonográfica, André Midani, a despesa anual das “majors” com jabá, no Brasil, fica entre R$ 71 milhões e R$ 95 milhões. 

PICARETAGEM 

De lá para cá, com as vendas caindo e, conseqüentemente, o ICMS caindo, o cartel desenvolveu a picaretagem à excelência: como a sua principal atividade é importar CDs das suas matrizes, e importador não tem a tal isenção do ICMS, as matrizes licenciam (autorizam a reprodução) às suas sucursais os CDs que querem vender no Brasil. Dessa forma, as sucursais das multinacionais aqui instaladas reproduzem o CD licenciado – na maioria esmagadora dos casos sequer traduzem os textos impressos para o português - e passam a mão no ICMS, cuja isenção é exclusiva para a produção nacional. 

MANIPULAÇÃO 

Embora as multis fiquem se fazendo de vítimas, culpando a pirataria pela crise, é fácil constatar que a venda de CDs não autorizados é apenas uma das conseqüências da escusa estratégia de corromper os meios de comunicação para manipular a demanda e concentrá-la sobre um número cada vez mais reduzido de lançamentos. Não é à toa, que os míseros 24 lançamentos realizados este anos pelas “majors” são facilmente encontrados em qualquer banquinha de camelô.

Esse é o panorama atual do nosso mercado, onde o monopólio das multis flagela a imensa produção de qualidade das gravadoras nacionais impondo ao grande público brasileiro, através da execução exaustiva em rádios e TVs, um número pequeno de “artistas” que nada têm a acrescentar à nossa cultura, e que inclusive desmerecem a nossa riquíssima tradição musical, cujo principal estandarte é a produção independente.

RICARDO FERNANDES 
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Agora é a vez de vocês. Aguardo pelos posts para o debate. Um abraço
Militão


Militao Ricardo
Musico, Jornalista, Produtor Musical e Professor.
mrmaya@uol.com.br

3 comentários:

Angela disse...

Concordo contigo em tudo. Mas eu queria saber se não é a propria major que empurra o que os intelectuais chamam de "lixo cultural" pra cima da população justamente pra manter as pessoas "do lado de lá do tunel", como tu bem colocou...Eu não to duvidando que as pessoas genuinamente gostem de pagode e sertanejo, mas será que dada a oportunidade, elas não iriam preferir alguma outra opção? Acho que isso será um mistério para sempre, mas eu suspeito que eles empurrem esse tipo de coisa pra cima da população pra manter as pessoas alienadas e consumindo a vontade. Até porque, hoje em dia não é só a "musica" que eles vendem...É a roupa, é a grife, o óculos, o relógio, o perfume, sei lá...
Um dia esse nosso papo seguirá em uma mesa de bar.
:D
Abs!

Anônimo disse...

acho que dada a opção, a população escolheria à todos os estilos. mas não desmerecendo a materia, 90% não é um pouco muito para 24 albuns? não me parece ao ouvir a radio que toque isso tudo, ao menos que se desconsiderem as musicas "neutras", aquelas que já foram lançadas a algum tempo, venderam sua cota e são popularmente conhecidas.
outra pergunta seria que você sugere que os majors tem uma mão na propria pirataria, numa busca de saturar o mercado informar e quebrar o resto (alem de todo o marketing). Eu peguei isso certo?

vejo você na unisc um dia desses
Leandro Fiori

Anônimo disse...

Será?
Esse papo de música da periferia é a coisa mais preconceituosa que existe, Cartola era pobre, favelado e fazia música tão ou de melhor qualidade que os riquinhos intelectuais. É por causa de pensamentos assim, que nós( eu moro em Caxias), somos obrigados a aturar a pior música de todos os tempos, o funk carioca, feita por gente sem nenhum talento, com letras vulgares e sem nenhum tipo de musicalidade. Enquanto o senhor vem com discursinho de tese de mestrado, a música e a cultura brasileira está afundando, e pessoas de real talento, nas favelas, sertões, mangues e também na zona sul, não têm oportunidade, porque as coisas estão sendo niveladas por baixo. Tenho certeza que se o senhor, hoje, ouvisse cartola, ia chama-lo de pobre metido a "intelectual polido",
Por Favor, seu discurso é o mesmo de autoras de novela que colocam Tati Quebra-Barraco gritando que dacú é bom em plena novela das oito.Meu amiguinho, dessa do trono, entre numa favela e pergunte as pessoas realmente talentosas de lá(sim, Deus as coloca em qualquer lugar)se esse lixo é o máximo que elas conseguem fazer. Chega de hipocrisia!!!