26.3.08

Um novo momento para a indústria da música no Brasil

Este texto eu escrevi para o jornal O Povo, de Fortaleza, em 2007.

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O ciclo de prosperidade das grandes gravadoras estrangeiras pode estar chegando ao fim. As mudanças no mercado fonográfico apontam para novas tendências e mostram, com velocidade, que o volume de gravações está crescendo no ritmo da transformações

O modelo de produção fonográfica está passando por um período de mudança no Brasil e no mundo. Neste momento dezenas de novas empresas fonográficas nacionais surgem em todos os cantos do Brasil, colocando no mercado uma variedade grande de estilos e generos, dando vazão para o grande mosaico cultural e sonoro do país. Os caminhos tradicionais de acesso do público a esta música ainda são dominados pelas grandes gravadoras multinacionais, mas este modelo está dando claros sinais de esgotamento. Uma saudável mudança está em curso. Novos canais surgem para trazer boa música aos nossos ouvidos.

O ciclo de prosperidade destas grandes gravadoras estrangeiras parece estar chegando ao fim. Estamos tendo indícios que o modelo da indústria fonográfica está mudando. A quatro anos atrás uma major lançava dez títulos por mês, em média. Hoje lança dez por ano. Mas os artistas continuam compondo e gravando, mais do que nunca. Neste período recente surgiram no país dezenas de pequenas gravadoras, impulsionadas pela paixão musical de seus donos e de sua vontade de viver da produção de discos. Eles produzem e divulgam trabalhos dos mais variados gêneros produzidos do Oiapoque ao Chuí. Elas estão gradualmente ocupando o espaço deixado pelas majors. Atualmente grandes artistas como Gal Costa, Maria Bethânia e Chico Buarque de Holanda estão lançando seus discos pela gravadora Biscoito Fino, uma empresa brasileira. A gravadora Paulista Trama, capitaneada por João Marcelo Bôscoli (filho de Elis Regina e Ronaldo Bôscoli) tem se dedicado a ocupar nichos de mercado que não interessavam às multinacionais. Um de seus maiores sucessos é o site Trama Virtual, onde qualquer músico ou banda independente tem espaço para publicar seu material na internet. Estas são empresas já de médio porte, que contam com recursos de investidores. Ainda constituem uma minoria.

O grande exemplo do potencial desta indústria é o fenômeno da cena do Tecnobrega, no Pará, onde surgiu a Banda Calypso. O grupo vendeu mais de 1 milhoes e cem mil cópias de um disco produzido pelo próprio grupo, divulgado pela internet e em CDs copiados em computador e vendido através dos camelôs. Este grupo venceu as barreiras comerciais da grande indústria. Seu início, no entanto foi simples e humilde.

Em sua grande maioria os selos independentes brasileiros são pequenas empresas que contam com pouquíssimos recursos para a produção e principalmente para a divulgação e a comercialização dos CDs ou fonogramas. Gravar um CD hoje é fácil. A indústria da eletrônica teve um notável desenvolvimento nos últimos dez anos, e hoje é possível montar um bom estúdio em qualquer lugar do Brasil. Um CD pode ser gravado em casa, com boa qualidade, no que depender da disponibilidade de equipamento. Difícil é divulgar e vender. A administração da empresa também é uma pedra no caminho em um setor onde tradicionalmente as pessoas eram mais avessas a questões burocráticas. Esse é um dos pontos fracos do setor. Aliás, cultura gerencial é um problema das micro-empresas de todos os setores no Brasil.

Novas iniciativas tem surgido e novos espaços se abrem para a divulgação e a comercialização da música produzida no Brasil. A internet é hoje o principal espaço de divulgação dos artistas independentes e de articulação dos produtores, na medida em que possibilita a comunicação rápida, ágil e barata entre pessoas separadas por longas distâncias. Já são conhecidos diversos casos de músicos brasileiros que estão fazendo shows na Europa devido à divulgação de seus trabalhos realizada pela rede mundial de computadores. Chico Corrêa, da Paraíba, BNegão, do Rio de Janeiro são dois deles. Uma rede de produtores de eventos musicais se organizou a partir do centro-oeste brasileiro e hoje abrange o país todo através da Associação Brasileira de Festivais Independentes - ABRAFIN (www.abrafin.com.br). A entidade surgiu a partir do trabalho de músicos e produtores de Cuiabá - o Espaço Cubo, Recife (Abril pro Rock), Goiânia (festival Bananada), Brasilia e hoje abrange o Acre, Rio Grande do Norte, Pará e Paraná, entre outros. São na maioria eventos de produção espartana, realizados com poucos recursos, mas que estão possibilitando algum retorno financeiro para a cadeia produtiva da Música. Bandas independentes de diversos cantos do país estão fazendo este circuito e se apresentando para platéias que já conhecem suas músicas graças à intenet e ao trabalho de distribuidoras de CDs como a Trattore, que se especializou no mercado independente. Outro recurso que tem dado resultado é a venda de CDs e camisetas na porta do show. Desta forma, selos como o Senhor F, de Brasilia, nascido a partir do site de mesmo nome (www.senhorf.com.br), lança discos de bandas como a Los Porongas, do Acre e Superguidis, de Guaiba, no Rio Grande do Sul.

Além dos festivais o mercado de música independente começa a amadurecer através de um circuito de Feiras comerciais e artísticas e de associações de classe, como a Associação Brasileira de Música Independente - ABMI (www.abmi.com.br), que reúne mais de cem pequenas e médias gravadoras brasileiras. A entidade tem obtido avanços para seus associados, como a inserção de música independente brasileira na loja iTunes, da empresa americana de computadores Apple, ou mesmo de melhores condições de negociação com a Associação Brasileira das Editoras Musicais, o que possibilitou aos independentes pagar direitos autorais pela gravação de obras após o lançamento dos CDs, algo que só era concedido às grandes gravadoras.

O circuito de Feiras está fortalecendo a indústria musical independente, promovendo o encontro de produtores, músicos, divulgadores, fornecedores, representantes do poder público e de entidades de classe que estão fazendo acordos comerciais, dialogando, trocando idéias e fortalecendo um mercado que é considerado pela Unesco como dono de um enorme potencial gerador de empregos, distribuição de renda e desenvolvimento social através da cultura. Diversos estados já promovem Feiras musicais periódicas, como Pernambuco, Ceará e o Distrito federal. A Feira Internacional da Música Independente - FMI, de Brasília (www.fmi2007.com.br) reuniu durante três dias músicos de 17 países em Maio último. Naquele evento foram negociados contratos de distribuição de artistas Belgas para o Brasil, de Artistas brasileiros do selo GRV para a Europa e foi fechado contrato para a realização do Reggae Sunsplash Festival em Brasilia, em 2008. E o mais importante: mais de 1.000 CDs de produção independente foram vendidos em três dias. O público demonstrou interesse pela música oferecida na FMI, que voltará a ser realizada em 2008 com apoio de grande patrocinadores como a Petrobrás.

Entidades públicas e privadas começam a entender o potencial econômico da indústria musical independente e apoiar o setor através de políticas públicas e projetos. O professor Luis Carlos Prestes Filho, da PUC do Rio de Janeiro realizou um minucioso estudo onde comprovou com metodologia econométrica o capacidade da música de gerar renda, ao estudar uma pequena cidade do interior do estado do Rio de Janeiro que tornou-se atração turística devido à sua tradição de serestas. Baseado neste e em outros estudos o Ministério da Cultura tem realizado programas para fortalecer as chamadas economias criativas. O ministro Gilberto Gil tem realizados esforços para propagar esta visão entre os setores empresariais brasileiros, geralmente avessos à indústria da cultura, que nos Estados Unidos, por exemplo, movimenta mais dinheiro do que a indústria automobilística. O Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas - Sebrae - tem dado apoio à produção e exportação de CDs no Ceará, em Pernambuco, Goiás, Distrito Federal e em São Paulo através de programas de qualificação gerencial e de divulgação da produção independente. O Brasil começa a acordar para o fato de que além de exportar soja ou produtos primários, nossa música tem o potencial para trazer muitos dólares para o país.

O consumo de bens culturais depende de distribuição de renda e da universalização da educação, itens deficitários na sociedade brasileira. As dificuldades estruturais são muitas. Mas a vocação musical do povo brasileiro e os recentes avanços observados permitem visualizar possibilidades interessantes para os próximos anos. A instalação do sistema de rádio e TV aberta com tecnologia digital no Brasil oferecerá mais canais de divulgação de larga escala. Se a legislação e a política de concessão de canais passarem a atender mais ao público ouvinte e aos pequenos e médios produtores poderemos ter um fortalecimento ainda maior da produção musical independente.


fonte: http://www.opovo.com.br/opovo/vidaearte/704524.html
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MILITÃO RICARDO é produtor, músico, jornalista e professor do curso de Comunicação Social do Centro Universitário Metodista IPA, em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.

Sócio da Idéias Mil, Comunicação e Cultura

mrmaya@uol.com.br